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Nasce Uma Estrela | Crítica (Com Spoilers)

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Lady Gaga deslumbrante na maravilhosa obra de Bradley Cooper.

Nasce Uma Estrela, filme dirigido por Bradley Cooper e estrelado pelo mesmo e pela cantora pop Lady Gaga, não é só mais uma entre as muitas releituras desta obra cuja versão original ganhou as telas em 1937, sendo a mais famosa delas a versão de 1976 protagonizada por Barbra Streisand e Kris Kristtofferson.

Ao longo do texto você vai perceber o trabalho magnifico de Bradley Cooper ao pegar as melhores ideias das versões anteriores, atualizar para os tempos atuais alguns contextos e, principalmente, rechear o filme com um brilhantismo artístico único e maravilhoso, dando ao longa uma profundidade e um desenvolvimento dignos de quem tem uma ótica muito sensível aos valores que a arte e principalmente o cinema tem de melhor.

Na historia acompanhamos Jack Maine (Bradley Cooper) um talentoso, mas decadente, astro da musica country americana, que conhece Ally (Lady Gaga), uma jovem de vida simples que sonha em se tornar uma cantora. O amor surge entre os dois mas a relação se fragiliza conforme a carreira de Ally decola, num contraponto com a de Jack que definha.

O roteiro de Nasce Uma Estrela (escrito pelo próprio Bradley Cooper em parceria com Will Fetters e Eric Roth) tem muito mais camadas que suas versões anteriores, suas preocupações vão muito além de mostrar a ascensão da protagonista. Na verdade ele é muito bem sucedido em contar uma ótima historia de amor, drama, superação e outros elementos, fazendo ótimo uso da profundidade de seus personagens em meio aos seus dilemas e dramas pessoais. Outro ponto importante é o tempo que o enredo dedica para apresentar o background dos personagens, isso dá uma densidade muito maior no desenvolvimento do relacionamento entre eles. Há um respeito e uma verdade muito grande quanto às convicções, ao comportamento dos personagens e a maneira como agem diante das situações mediante ao sentimento, caráter e envolvimento de cada um.

Não há uma complexidade excessiva no roteiro em si, o foco central é claro e está na relação dos protagonistas Ally e Jack, mas o pano de fundo é tão interessante quanto, já que o roteiro, aliado à direção sensível e assertiva de Cooper, consegue apresentar o tema e expor ao telespectador sua mensagem de maneira muito objetiva, discursando direta ou indiretamente através dos diálogos e elementos em cena.

O filme mostra como Jack conduz sua vida e sua carreira, a infância difícil sem um alicerce familiar adequado, a mágoa por assuntos mal resolvidos, o alcoolismo e a dependência química servindo de refúgio para uma mente fragilizada e despreparada para suportar o peso e a solidão da fama, alojada em um corpo cada vez mais destruído pelos seus terríveis hábitos de vida. Já no arco de Ally, a outra protagonista, questões como a necessidade de uma autoafirmação, confiança e autoestima são abordados; os desapontamentos, a persistência em buscar seus sonhos mesmo em face das condições menos favoráveis. Também chama muito atenção a forma como o desapontamento dos pais, que desejam realizar nos filhos os sonhos que eles mesmos não conseguiram realizar. O roteiro trabalha estes temas de maneira fluida, sem agressividade e nem pressa para apresentar ou desenvolver cada tema, dando a elas o tempo necessário para que sejam estabelecidos dentro do arco dos personagens e assimilados pelo expectador, tudo isso em meio à magia e ao drama que permeia a relação entre os protagonistas, foco central da trama.

Por muitas vezes, vemos um diretor propagar temas e discursos em seus filmes quase que de forma involuntária, a mensagem é passada por meio do desenvolvimento de seus elementos cênicos e diálogos sem que seja o foco ou mesmo o pano de fundo. Não é caso aqui. Cooper lapida as ideias das versões anteriores, dando uma atenção especial ao passado dos personagens construindo camadas de personalidade que serão muito relevantes à trama deixando o espectador totalmente envolvido com o arco e com o destino de seus personagens.

Bradley Cooper ator e diretor.

A narrativa fluida nos emociona por todo o primeiro ato, desde a apresentação dos personagens à construção do relacionamento entre ambos acenando para um “felizes para sempre” que sabemos que não vai acontecer, mas torcemos para estarmos errados!

Da metade do segundo atoem diante a narrativa se torna mais densa, o ritmo desacelera para enfatizar a carga dramática à medida que Ally ruma para o estrelato e Jack para uma provável e irreversível decadência. A partir daí o roteiro segue de forma coerente, administrando as consequências dos rumos escolhidos pelos personagens com veracidade e realismo. Realismo este que pode ser sentido também nos diálogos dos personagens, cuja profundidade agrega ainda mais nossa imersão nesta linda história.

Mas o ponto alto do filme com certeza são seus personagens. É certo dizer que seu desempenho é potencializado pelo excelente roteiro e pelos diálogos muito bem escritos, mas a qualidade, o carisma e a entrega dos atores em cena é algo inquestionável. O melhor exemplo disto é Bradley Cooper. Com uma atuação quase irretocável, Cooper consegue ao longo do filme transmitir emoções de forma muito real e incrivelmente tocante.

O ator demonstra um sofrimento genuíno quando fala de seu passado e dos assuntos mal resolvidos em família. Seu rosto transmite todo o desgaste e cansaço de quem, há anos, busca refugio no álcool e nas drogas. Impressiona a realidade que o ator imprime em sua atuação nestes momentos, realçado pela sua magnífica expressão corporal em cena. Através da dependência química e alcoólica do personagem Cooper expõe sua visão sobre o tema, o quanto o vício pode ser perigoso e destrutivo tanto ao viciado quanto a todos ao seu redor, tratando a dependência como uma doença, sem nenhum tipo de marginalização.

Muita curiosidade existia sobre como Cooper se sairia como cantor no longa. Toda a nossa curiosidade é satisfeita já nos primeiros minutos do filme e realmente o ator não decepciona. Pelo contrário, tanto seu comportamento cênico como seu desempenho cantando são, sim, dignos de elogios. Em resumo a atuação de Cooper como um todo é magnifica, e todos os prêmios e indicações que o ator vem recebendo são absolutamente justos.

Sam Elliot

Sam Elliot vive Bobby, o empresário de Jack Maine. Bobby é o contraponto a insanidade auto destrutiva de Jack. Elliot vive um personagem amargurado por uma frustração em seu passado, preocupado com a carreira e com a vida de Jack. Bobby é na maioria do tempo duro, fazendo questão de aplicar choques de realidades constantes no protagonista e, mesmo em meio a aspereza do personagem, é possível notar que exista um sentimento especial de Bobby por Jack, algo que vai além dos laços profissionais, assim como existem assuntos mal resolvidos referentes ao passado dos personagens. À medida que a história avança e novos fatos são revelados sobre o passado e o relacionamento entre ambos, tudo passa a fazer mais sentido, e as cenas envolvendo ambos passam a ser emocionantes. Sam Elliot protagoniza ao lado de Lady Gaga, uma cena maravilhosa próxima ao final do filme marcada pelo diálogo poderoso, franco e com uma dose de compaixão comovente. Só por esta cena a indicação de Sam Elliot ao Oscar de Melhor ator coadjuvante já estaria justificada.

Mas, o maior destaque do filme é, sem dúvidas, Lady Gaga. A talentosa cantora surpreendeu ao se revelar também uma atriz promissora. Carismática e muito expressiva, a atriz demonstrou uma química incrível com todo o elenco e conseguiu expressar, com clareza e de forma muito real, os dramas e anseios de sua personagem, que transborda talento, mas sofre com problemas de auto aceitação e afirmação, decorrentes, principalmente, das decepções de seu pai, um cantor frustrado que agora trabalha como motorista. Ao conhecer Jack, a vida de Ally muda radicalmente. A ascensão de sua carreira caminha ao lado da evolução do seu relacionamento com o cantor. A atuação de Gaga consegue passar, com naturalidade, toda a força e intensidade do amor entre Ally e Jack. À medida que a carreira de Ally decola, agora orientada por Rez (Rafi Gravon) seu empresário e produtor, Jack se decepciona ao perceber que Ally direciona sua carreira por um caminho que, na visão do músico, está longe da verdade artística da cantora. Lady Gaga passa todos estes momentos com uma atuação segura, e suas cenas com Bradley Cooper são realmente especiais. O entrosamento entre os dois é muito grande e proporciona momentos lindos, como na cena em que se conhecem (por sinal, um dos momentos mais belos do filme) com a cantora brilhando na interpretação de “La Vie em Rose” um clássico da música francesa, realçado pelo trabalho de iluminação e fotografia e um uso muito apropriado das cores, para ressaltar os sentimentos expressos na performance.

A grande estrela do filme, Lady Gaga.

Bradley Cooper e Lady Gaga funcionam muito bem juntos e conseguem transmitir uma emoção palpável em seus momentos e isso, claro, também se repete nas canções. Aliás, se Cooper manda bem como cantor, Gaga está deslumbrante, favorecida pela trilha sonora feita para a cantora brilhar! Mas, se a performance musical ajuda Gaga a entregar um trabalho fascinante, não podemos esquecer que a cantora surpreende por manter uma atuação muito realista e segura na maior parte do tempo, de forma que todo o conjunto desta obra rendeu uma merecida indicação ao Oscar de Melhor Atriz, além de outras premiações.

Tecnicamente o filme funciona bem. A ambientação reproduz de maneira interessante o mundo da música, o glamour e adrenalina dos shows, as gravações, os bastidores, as conquistas e os prazeres e perigos que a fama carrega. A atmosfera do filme, construída sob uma narrativa que, como já dissemos, nos conduz a um carrossel de inúmeras emoções, se torna totalmente imersiva conforme a trama avança pois, além da excelência dos diálogos e das atuações, temos uma combinação interessante entre iluminação e paleta de cores que torna as apresentações musicais, por exemplo, ainda mais inesquecíveis. O trabalho de fotografia, com closes e enquadramentos mais fechados, valorizando as expressões faciais dos atores para transmitir de maneira forte todas as emoções propostas em cena, funciona muito bem.

E, como se trata de um filme voltado para música, é claro que a trilha sonora é um dos maiores destaques.

Inicialmente o papel de Ally caberia a popstar Beyonce, mas os conflitos de agenda a impossibilitaram. O que poderia ser uma perda considerável acabou sendo um ganho incrível, já que, além do seu desempenho no filme, Lady Gaga participou da composição das músicas da trilha do filme que, por sinal, tem canções maravilhosas como “Black Eyes”, “I’ll Never Love Again” e a concorrente ao Oscar de Melhor canção “Shallow” (composta por Lady Gaga e Bradley Cooper).

Sem dúvidas o filme é uma estreia e tanto para Bradley Cooper como diretor mas, apesar da indicação para vários outros prêmios, Cooper (injustamente) não foi indicado ao Oscar de Melhor Diretor. Fato este, porém, que não desmerece seu trabalho. É muito clara a mensagem que Cooper quer deixar com esse filme e ele o faz, conduzindo as atuações do seu elenco e o desenvolvimento do seu roteiro com rara felicidade. Cooper entrega um filme que aborda vários assuntos importantes, tem um tema central muito forte, que tem mais haver com a decadência de uma estrela do que com o nascimento de outra.

Nasce Uma Estrela
  • Roteiro
  • Direção
  • Trilha Sonora
  • Elenco
4

Resumo

Nasce uma estrela, é um filme lindo em quase todos os seus aspectos, é uma releitura de uma historia de amor, de entrega, de cumplicidade, é um drama, é um grito de alerta, é um discurso de coragem, de auto afirmação, é uma nova roupagem que te permite enxergar muitos temas importantes, mas que no final ficará gravado na minha memoria de maneira especial principalmente por me conduzir a uma das belas e emocionantes experiências cinematográficas da minha vida.

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