Filmes
Jogador Nº 1 | Crítica

Publicado há
7 anos atrásem
Leve, encantador e apaixonante. Um show de Spielberg e uma avalanche de referências.
Feche seus olhos. Agora imagine uma obra repleta de referencias a tudo e a todo tipo de segmento dentro da cultura pop: músicas, quadrinhos, cinema, TV, games… Enfim, tudo!
Pois bem, lamento lhe decepcionar, porém, por mais que sua imaginação seja excepcionalmente fértil ela jamais chegará ao pés do mundo de easter eggs construído por Ernest Cline em seu livro Jogador Nº 1. Publicado em 2011, o livro teve seus direitos de adaptação para o cinema adquiridos pela Warner que trouxe, ninguém mais, ninguém menos, que o mago Steven Spielberg para comandar esta adaptação com envolvimento direto do próprio Ernest Cline no roteiro e na produção.
Um alto nível de expectativa passou a cercar a criação desta obra capitaneada por Spielberg (que, por óbvio, dispensa apresentações) principalmente à medida que fotos, imagens, teasers e trailers passaram a ser divulgados. E o resultado visto nas telas foi um agradável e prazeroso deleite.
AS “PILHAS”
A história de passa no ano de 2044, sugestionando uma espécie de colapso populacional. Somos transportados para Columbus mais precisamente para as “Pilhas” a curiosa formação de trailers empilhados em altas estruturas de metal semelhantes a andaimes. Neste cenário conhecemos Wade Watts que, assim como a maioria da população do planeta, passa a maior parte do tempo imerso no universo virtual conhecido como Oasis.
Criado pelo apaixonado por cultura pop, James Halliday, o Oasis é um conjunto de incontáveis mundos virtuais, onde os usuários personificados em seus avatares interagem nos mais diversificados cenários, corridas, ondas gigantes, guerras galácticas, batalhas colossais, não há limites para o nível de interação e socialização virtual (sim, as pessoas se relacionam dentro do Oasis, em ambientes virtuais que reproduzem escolas, danceterias, restaurantes etc.).
Tudo muda com a morte de James Halliday. Antes de morrer o criador do Oasis deixou um desafio aos “Players”. Um tesouro (propriamente falando um legitimo e literal easter egg) foi escondido em alguma parte do Oasis. Para encontrá-lo o Jogador precisa decifrar 3 enigmas e encontrar três chaves. Quem descobrir os segredos e encontrar o egg herdará a fortuna quase que incalculável de Halliday e será dono do Oasis, um mega negócio de lucros astronômicos que, após a morte de Halliday, aguçou ainda mais o desejo das grandes corporações. A maior destas corporações é a IOI que mantém no ambiente do Oasis profissionais à caça das pistas deixadas na corrida pelo Easter Egg. Cinco anos se passaram desde a morte e o lançamento do desafio de James Halliday e nenhum progresso foi obtido por ninguém, mas Wade Watts não desiste. Fã e estudioso de Halliday, Wade se mantém fiel à busca.
PARZIVAL, REFERÊNCIAS, E STEVEN SPIELBERG…
O filme é um espetáculo visual! A construção do mundo virtual de Oasis e seus milhões de avatares e easter eggs é sensacional. Fica evidente a assinatura de Spielberg com toda a qualidade e originalidade criativa que a mesma agrega. Acompanhar a jornada de Parzival (avatar de Wade, inspirado no Cavaleiro da Távola Redonda, Percival, famoso por sua busca pelo Santo Graal) vai muito além da aparente aventura de caça ao tesouro, é uma viagem a cenários icônicos, personagens e referências super importantes e reverenciadas na cultura pop. Batman, Freddy Krueger, as Tartarugas Ninja, BattleToads, Goro do Mortal Kombat, e mais uma infinidade de outros personagens e referências que surgem a todo o momento, a cada novo enquadramento.
E os cenários e ambientes… Bem, poderíamos dedicar um texto inteiro somente para falarmos deles. Com muito capricho, a qualidade de cada novo ambiente salta aos olhos, cada qual com sua forma de encantar e surpreender, como a espetacular corrida que vimos brevemente nos trailers com direito a moto do Kaneda, de Akira, o Delorean, de De Volta para o Futuro, e muitas outras surpresas. Entre os cenários conhecidos, o Hotel Overlook dá o ar da graça, mórbido e assustador como sempre. E tem muito mais: referências a quadrinhos, a séries de TV, a games (com uma passagem muito importante envolvendo o clássico Atari 2600) e não só as obras antigas ou clássicas, os Espartanos de Halo, Overwatch, Minecraft e muitos outros gigantes do entretenimento atual também aparecem, e o final do filme ainda reserva uma surpresa para os amantes dos seriados de monstros dos anos 70, como Godzilla, Ultraman entre outros.
Falando do roteiro, a história se desenvolve em duas frentes: a primeira no ambiente virtual do Oasis, com a caça ao Easter Egg de Halliday, onde a trama é bem amarrada e se apresenta corretamente nos três atos do filme. O contexto e o background da criação do Oasis, e uma série de questões acarretadas pelo mesmo, cumprem seu papel de dar o peso e importância necessários aos eventos que cercaram a criação do Oasis. A historia é contada com muita propriedade, o tom de aventura remete aos clássicos dos anos 80 como os Goonies e Clube dos Cinco, o filme é leve e encantador mesmo nos momentos em que os dramas e dilemas dos personagens são tratados. O final é emocionante, sobretudo na maneira como trata algumas feridas do passado que não haviam sido, digamos, devidamente tratadas. A mensagem que fica é que se não podemos mudar o passado as nossas ações e decisões no presente podem, e devem, construir um futuro diferente.
Mas, não é só isso que Jogador Nº 1 tem a dizer, questões são levantadas através do desenvolvimento de seus personagens, o que acontece em dois planos, no Real e no Virtual.
A maioria das ações do filme se passam no ambiente virtual do Oasis, e os eventos caminham para que uma improvável aliança aconteça, Daito e Sho, um samurai e um ninja que trabalham na famosa e respeitada equipe de busca pelo egg, Artemis, se unem a Parzival e seu melhor amigo Aech (uma interessante surpresa nos aguarda nesta amizade) na busca pelo easter egg. Conforme a história se desenvolve, a relação e os objetivos mudam e, no final, o que vemos é uma demanda totalmente diferente com algo muito mais importante em jogo.
Já no mundo real esta aliança é trabalhada com uma profundidade maior, as motivações, dilemas e dramas pessoais são apresentados e, ainda que de forma leve, o filme discursa sobre temas delicados e atuais, como a forma como nos relacionamos na internet, e com a internet, e o impacto da mesma em nossos relacionamentos no mundo real.
Questões à partes, o arco dos personagens no plano real é bem desenvolvido, com bons diálogos que colaboram para uma evolução natural no relacionamento dos personagens, tanto no crescimento da amizade como na construção do relacionamento amoroso, e claro que esta evolução bem conduzida é primordial para que ambos os planos possam convergir no terceiro ato do filme, para entregar um final emocionante e coeso.
O elenco conta com Tye Sheridan, muito bem como o protagonista Wade Watts/Parzival, Olivia Cooke como Samantha/Artemis, além de Mark Rylance como James Halliday e Simon Pegg no papel de Ogden Morrow.
O antagonista é vivido por Ben Mendelsohn (Star Wars Rogue One) na pele do executivo Nolan Sorrento, líder de uma divisão da IOI que busca encontrar o easter egg e pretende transformar o sonho de entretenimento e realidade virtual de Halliday num negócio absolutamente voltado somente para os lucros. Ainda que não comprometa tanto o resultado final, faltou um pouco de peso na ameaça tanto da Corporação IOI como do vilão de Mendelsohn.
A bela identidade visual conversa perfeitamente com a trilha sonora muito apropriada que, claro, remete aos sucessos imortalizados na cultura pop, sobretudo nos anos 80. A sequência de abertura arrepia, com a introdução do mundo virtual Oasis ao som de Jump, da banda norte americana Van Halen.
Com muitos elementos de qualidade em sua composição, e um trabalho de direção muito bem feito por Spielberg, Jogador Nº 1 é um filme muito bem resolvido dentro de sua proposta. Indo muito além da nostalgia, levanta questões sobre temas muito recorrentes em nossa vida que é cada vez mais digital. O longa caminha a passos largos e firmes para se tornar uma das maiores obras da cultura pop já produzidas.
Jogador Nº 1
Resumo
Com uma boa história e uma bela identidade visual, Jogador Nº 1 vai além de ser um troféu à nostalgia da cultura pop, é a porta de entrada para que novas gerações conheçam as obras que inspiraram sucessos idolatrados nos dias de hoje.
Conheceu os quadrinhos (que carinhosamente chama de Gibi) no fim dos anos 80 e deles nunca mais se separou. Gamer old school, ávido devorador de bons livros, amante da sétima arte, comentarista de rádio. Escreve para uma comunidade de cultura pop, e é o mais recente membro honorário do Conselho de Elrond.