Pinóquio, clássico do século XIX escrito por Carlo Collodi, já ganhou inúmeras adaptações para diversas mídias. Somente neste ano, o personagem obteve duas versões: uma delas é o péssimo live-action da Disney que adapta a animação clássica. E a segunda vinda de Guillermo del Toro, que desde 2008 vinha buscando financiamento para sua sofisticada versão em stop motion, até chegar às mãos da Netflix, e esta assumir a tarefa de produzir o filme. E, olha, o filme de Del Toro é infinitamente superior em todos os aspectos, garantindo-se como uma das obras mais bonitas e caprichadas do ano.
A história
A trama do filme volta às origens da obra original As Aventuras de Pinóquio, de Collodi, acompanhando a depressão do carpinteiro Gepeto (voz de Doug Bradley), que impulsivamente constrói um boneco de madeira para lidar com a perda de seu filho durante um bombardeio da Segunda Guerra Mundial. Quando o boneco, batizado de Pinóquio (voz de Gregory Mann) ganha vida após a magia de uma Fada Azul, ele rapidamente atrai atenção de todos na cidade – incluindo o regime fascista de Benito Mussolini.
Mais sombria, porém mais humana
Essa definitivamente é uma versão muito particular da história. Ainda que retome diversos elementos do livro original, Del Toro é audacioso em aproveitar o contexto da Segunda Guerra Mundial e o regime totalitário na Itália, aproveitando uma atmosfera mais pesada e também elementos da juventude fascista; com a invulnerabilidade de Pinóquio sendo abraçada pelo regime militar para transformar o ingênuo boneco no modelo ideal de um soldado italiano. Pode parecer um desvio brusco, mas o elemento militar se prova como uma alternativa bem mais interessante e profunda para o conceito da Ilha dos Prazeres, que foi aproveitado na animação de 1940.
Por se tratar de um cineasta tão interessado no sobrenatural quanto Guillermo Del Toro, seu Pinóquio oferece um elemento ainda mais fascinante ao explorar o além-vida. Como o protagonista é incapaz de morrer, ele constantemente é enviado para um purgatório onde tem longas conversas com uma versão animalesca da Morte (dublada pela excelente Tilda Swinton), e que se destacam criativamente como uma das ideias mais originais do cineasta em sua releitura. É também um preparo fundamental para o triste clímax que a produção prepara a história, e que definitivamente também oferece uma metáfora forte.
Animação de encher os olhos
A execução técnica de Pinóquio também é um dos pontos altos da produção. Com cerca de US$35 milhões no orçamento, os efeitos de stop motion demonstrados aqui representam um dos melhores usos que a tecnologia já teve até hoje. Seja pelo design de seus personagens, ambientes ou elementos, passando por complexos movimentos de câmera, efeitos de iluminação e uma fotografia virtual impressionante, o trabalho de Pinóquio por Guillermo Del Toro é simplesmente fabuloso, e que se destaca como o grande favorito para o Oscar de Melhor Animação do próximo ano.
Conclusão
Há muito tempo não víamos Guillermo Del Toro tão inspirado. Representando aquele que facilmente é o melhor filme do diretor desde O Labirinto do Fauno (2006), sua versão de Pinóquio é uma grata surpresa deste finalzinho de ano, por nos apresentar uma releitura sombria, mas não menos emocionante, e repleta de belezas distintas.