Desculpe o transtorno, mas preciso falar de Capheus, Kala, Lito, Nomi, Riley, Sun, Will e Wolfie. Preciso falar de Sense8.
“Precisamos ter uma conversa seríssima, Netflix…”
Normalmente vocês me veem falando aqui sobre RPG, literatura fantástica e a representatividade dentro desse meio (como podem ver aqui). Mas hoje pedirei licença aos companheiros de dados porque hoje dedico meu texto a uma das séries mais representativas que já tive a oportunidade de assistir.
Você pode não ter assistido a série, mas é extremamente improvável que não tenha sequer ouvido falar de Sense8. Um fenômeno mundial que nos foi trazido pela Netflix, a série é de autoria das irmãs Lilly e LanaWachowski em conjunto com J. Michael Straczynski. Foi ao ar pela primeira vez em 5 de junho de 2015, apresentando ao público a história de oito estranhos de diferentes partes do mundo que, repentinamente, se tornam conectados mental e empaticamente por uma mutação genética evolucionária.
O ponto forte da série é explorar o que escritores de ficção científica tendem a ignorar, como: política, identidade, sexualidade, gênero e religião. E esses temas são tratados da forma mais natural e mais intrínseca possível no enredo.
Viver com “melhores amigos” na sua mente 24h não aparenta ser algo ruim…
As diferenças entre os personagens são muito profundas! Cada um dos oito protagonistas é único, completo em si mesmo e, ainda assim, parte integrante de um grupo (no original, cluster) que se equilibra. Surgem uns para os outros, devido à estranha conexão que possuem, no momento em que mais precisam, compartilhando não só habilidades como artes marciais ou conhecimentos de bioquímica, mas conselhos, experiências de vida e um cuidado e carinho que nós, que assistimos, vamos aos poucos aprendendo a ter com cada um deles. Suas realidades se mesclam e, mesmo com todas as diferenças, vão nos mostrando que é possível, sim, viver em conjunto com outros seres humanos quase que totalmente opostos.
Enquanto em séries e novelas vemos as diferenças não exaltadas em sua diversidade, mas como limitantes de cada personagem, em Sense8 vemos os personagens como um todo, em toda a sua complexidade e profundidade. Suas questões, virtudes e defeitos giram em torno de sua essência como seres humanos, não simplesmente cenas em que se vê “o personagem gay” ou “o personagem negro”, por exemplo. Essa diversidade apresentada de maneira tão natural é algo que chega a surpreender… Ela vem, ao mesmo tempo que com a força de uma tourada contra os pilares conservadores que se recusam a discuti-lo, com a leveza e naturalidade de uma borboleta pousando no jardim.
Antes que você dê outro nome, vou explicar: o nome disso aqui é companheirismo e cumplicidade. Também conhecido como amor.
E por que é tão importante isso? Correndo o risco de me repetir, quem faz parte de uma minoria, ver-se representado de forma tão completa é simplesmente gratificante. Ver que não somos reduzidos a uns dois ou três adjetivos, mas que existem personagens que, como nós, são pessoas por inteiro, traz uma sensação de pertencimento, de inclusão na sociedade. Como fenômeno mundial, Sense8 tem essa responsabilidade intimamente ligada a ela.
“A verdadeira violência, aquela que eu percebi ser inesquecível, é a violência que exercemos contra nós mesmos quando temos muito medo de sermos quem somos.” — Nomi
São pessoas ao redor do planeta que se veem retratadas numa série internacional e que se sentem parte de uma sociedade global que normalmente as exclui. São LGBT, são mulheres, são negros, são asiáticos… São milhares de Capheus, de Kalas e de Wills que se veem ali na telinha da Netflix… São Litos e Nomis que sentem orgulho de ser quem são porque olham pro seriado e sentem que vale à pena ser quem são… São Rileys e Suns que sentem que vale à pena porque tem alguém ali que as representa, que outros seres humanos que são iguais à eles…
Fomos todos nos tornando sensates desse grupo maravilhoso. Desses Homo sensoria que nos ensinaram a amá-los porque podemos rir com Sun revirando os olhos para os dramas do Lito, porque só conseguimos torcer pela felicidade de Nomi e Amanita e quem de nós não consegue deixar de cantar junto quando ouvimos os versos de What’s Up?
Ownnnn… :'(
Não sabemos lidar com essa perda. Não só não ter mais a oportunidade de ver Dani e seus 56 minutos (quem não assistiu a segunda temporada, assista) ou o Bug e suas Panteras (Bug’s Angels no original, a clássica referência desse personagem maravilhoso).
Não há muito mais o que dizer sobre Sense8. Continuar seria apenas dizer, dizer e dizer quando podemos resumir em um único questionamento: por que ver diferenças tratadas de maneira tão simples ainda nos deixam surpresos?