Uma tradição de cidades do interior e até mesmo de bairros de periferia dos grandes centros são os circos mambembes. Pobres e de baixo custo, com palhaços divertidos e bocas sujas, um homem forte que levanta sacas e mais sacas de cimento e um número teatral rústico somado de alguma atração bizarra e de gosto duvidoso, esse tipo de espetáculo faz a alegria noturna de diversas pessoas nas noites interioranas. Os Pobres Diabos, do renomado diretor Rosemberg Cariry conta os causos de uma trupe mambembe que chega à cidade de Aracati para uma temporada com o Gran Circo Teatro Americano e como as pessoas da cidade recebem e se comportam diante da novidade.
Rosembreg Cariry e Silvia Buarque
Cariry é um dos mais renomados criadores cearenses, nascido na cidade de Farias Brito-CE, realizador de diversas obras pra cinema, como Corisco e Dadá (1996) e para TV, tem o caráter regionalista muito forte e um grande diferencial na sua produção.
O elenco acertado, com artistas como Chico Diaz, fazendo o palhaço safado e malandro Lazarino, Silvia Buarque faz Creusa, a diva caída, que canta suas tristezas e embeleza a rusticidade da trupe, Gero Camilo faz o esposo Zeferino que vive entre a tapioca e o leita de sua cabra Genoveva. Outros membros da trupe como Tarzan e Dona completam o pitoresco e único grupo de artistas. Também mostrando o povo comum, como o técnico da empresa de energia, o “seu” Nicolau e sua família e o povo de Aracati, um povo pobre e que tem sua energia e curiosidade instigada com a chegada do circo na cidade.
A trama do longa é sempre o misto do riso dentro da tristeza. Dos pequenos momentos onde os personagens se unem na comida paupérrima diária, nas alegrias da cachaça amiga ou nas tristezas das perdas presentes e passadas. O texto de Rosemberg é carregado de lirismo e também de personalidade regional porque ouve-se claramente a voz do interiorano nordestino em todos os personagens e isso é muito bom. As agruras que esse tipo de circo passa também são mostradas de forma direta e sem rodeios, mas nunca de forma grosseira. Rosemberg soube extrair a delicadeza de cada momento. Também é satisfatório ver que dentro de sua metalinguagem, afinal de contas estamos vendo uma obra dentro da obra, o texto não se furte de distribuir alguns bons cutucões na realidade do espectador.
Petrus Cariry traz uma fotografia praticamente teatral. A sua câmera na maioria das cenas é estrategicamente centralizada, dando um caráter de teatro a cada cena, que muitas vezes tem várias camadas, com ações em múltiplos planos, como pessoas tentando fazer um carro velho ligar e, ao fundo, os trabalhadores levantando a lona. As cenas são simetricamente equilibradas para trazer essa sensação de estarmos vendo uma peça e o elenco se posiciona como tal. As cores na tela são vivas e precisas, realçando o caráter alegórico que o local apresenta, e que Petrus sabiamente contra-balanceia com a aridez da terra do Aracati, que mesmo alaranjada funciona como elemento neutro na imagem. O feio e velho de um circo remendado é contrabalanceado com o cartunesco dos figurinos. Petrus extrai beleza do que muitos poderiam considerar tosco e o faz com maestria.
O som é outro elemento vivo na trama. A trilha sonora de Herlon Robson traz os sons que cercam o espetáculo, como bumbos, cornetas, músicas bregas e completam bem a obra.
Os Pobres Diabos é um retrato de artistas pobres, não reconhecidos e que mesmo diante das dificuldades, perseveram. Seguem em frente porque precisam sobreviver e porque também encontram na arte os alívios e bálsamos para suas dores pessoais. Rosemberg Cariry homenageia mais uma vez a cultura do povo, contando a história dos desajustados dentro do nosso país e com isso acerta por não esquecer e reverenciar aqueles que mesmo diante do caos, nos fazem sorrir despreocupadamente.
Nascido em Fortaleza, trabalha profissionalmente com quadrinhos e ilustração desde 2005, quando começou a vender seus trabalhos pela Internet em sites de vendas como o E-Bay. Trabalhou para editoras norte-americanas, ministrou aulas de desenho e quadrinhos, e vem participando de diversos eventos nos Artists’ Alleys e em painéis sobre cultura pop, quadrinhos e artigos/notícias para o site do Dínamo Studios, do artista Daniel HDR.