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Crítica | Coringa é, sim, um dos melhores filmes do ano, mas tem seus pesares

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Longa estrelado por Joaquin Phoenix justifica os prêmios que ganhou (e os que vai ganhar), assim como dá, sim, elementos aos críticos para usarem contra si.

Sinopse:
Gotham City, 1981. Em meio a uma onda de violência e a uma greve dos lixeiros que deixou a cidade imunda, o candidato Thomas Wayne (Brett Cullen) promete limpar a cidade na campanha para ser o novo prefeito. É neste cenário que Arthur Fleck (Joaquin Phoenix) trabalha como palhaço para uma agência de talentos, com um agente social o acompanhando de perto, devido aos seus conhecidos problemas mentais. Após ser demitido, Fleck reage mal à gozação de três homens de Wall Street em pleno metrô e os mata. Os assassinatos iniciam um movimento popular contra a elite de Gotham City, da qual Thomas Wayne é seu maior representante.


Grosso modo, podemos dizer, simplesmente, que Coringa é um filme estruturalmente perfeito, enquanto obra de arte. Da estrutura do roteiro ao casting e execução, o filme se propõe como uma obra de arte bem elaborada, e é isso que é entregue ao espectador.

O drama/suspense psicológico dirigido por dirigido por Todd Phillips (de ‘Se Beber não case 1, 2 e 3’ e ‘Cães de Guerra’), que co-escreveu o roteiro com Scott Silver (de ‘O Vencedor’), e é baseado no vilão homônimo da DC Comics, que é interpretado por Joaquin Phoenix (de ‘Her’).

Todd Phillips intenciona em seu roteiro desenvolver a via crucis de Arthur Fleck, um homem adulto com problemas psicológicos que vive sozinho com a sua mãe doente e trabalha como palhaço para uma agência que pouco se importa com a realidade e agruras vividas pelos seus funcionários no desempenho da sua função.

Arthur Fleck é apresentado como a personificação do que muitos veem como “aquele cara que não deu certo”: uma pessoa sempre socialmente deslocada, sem amigos, sem amores, exercendo uma função aquém dos seus objetivos e desejos e, em plena vida adulta, tendo a vida ainda condicionada aos pais. Some a isso um problema psicológico, que o leva a ser acompanhado por uma assistente social aparentemente indiferente a sua condição, e o descaso de Thomas Wayne, um antigo patrão de sua mãe, Penny Fleck (Frances Conroy), a quem esta recorre por meio de cartas solicitando ajuda, sempre sem respostas.

O protagonista se apresenta como uma pessoa que “só quer levar alegria aos outros”, tem o sonho de ser um comediante stand-up e, ironicamente, uma condição clínica que o faz ser acometido por risos histéricos em situações de tensão, medo ou nervosismo. E, com isso, temos a origem da risada característica do maior inimigo do Batman: uma condição psicológica.

Não bastassem essas dificuldades, Fleck vive sob uma constante dificuldade financeira e seu trabalho, além de não corresponder às suas expectativas e nem suprir todas as suas necessidades, o coloca em uma situação de vulnerabilidade e insegurança que culmina no ataque de um grupo de delinquentes que o rouba e agride covardemente.

Todas as intempéries da vida de Arthur são minimamente expostas e podemos ver as entranhas do desenvolvimento do personagem em cada detalhe do longa. As cores são minuciosamente escolhidas, assim como a trilha sonora e o posicionamento de câmera. Tudo visando apresentar o processo gradual da caminhada de Arthur Fleck até este se transformar no famoso Palhaço do Crime.

Coringa tem 2h2min que não cansam, é verdade, mas que não “passam voando”, pois o filme, intencionalmente, se preocupa em incomodar o espectador para as dificuldades enfrentadas pelo seu protagonista. Aqui, Rosseau está certo: “o homem nasce bom, mas a sociedade o corrompe”. A dor, a dificuldade, o bullying e a falta de amor ao próximo, são os grandes vilões apresentados na obra. Durante todo o longa você será bombardeado com problemas e situações de uma sociedade doente que o levam a entender e se compadecer das dores e decepções de Arthur Fleck.

(Nesse ponto vale ressaltar: se você tem ou teve problemas de ansiedade, depressão ou algum outro problema ou trauma relacionado a essas dificuldades que citei aqui, considere assistir algo mais leve. Ou, pelo menos, vá ao cinema com alguma pessoa de confiança com quem você possa ter uma conversa franca e colocar pra fora as angústias que o filme causará em você.)

O grande destaque do longa vai para a perfeição como ele imprime em tela todo o desenvolvimento de um vilão, de tal sorte que você entende tudo o que tornou este homem, inicialmente apenas mais um que quer viver a vida dignamente, em um símbolo da revolta dessa sociedade também doente. E aqui mora o “problema” do filme.

Coringa apresenta um vilão que tem todos os motivos para acreditar que está “retribuindo ao mundo o que recebeu”. Não há problema nenhum em uma obra de arte se apropriar desse discurso para contar uma história, o problema está em se as pessoas que assistem o filme vão estar prontas para receber esta mensagem da forma correta. Nesse ponto, creio que a censura brasileira posta para 16 anos deveria ter sido mantida em 18 anos, como nos EUA (quem sabe até aumentada para 30 anos, pra tentar minimizar a quantidade de pessoas que podem entender a mensagem de forma errada…). Explico: Coringa não tem cenas de violência piores que John Wick, por exemplo, mas as suas cenas de violência vem arraigadas em uma carga emocional que podem levar o expectador a pensar: “Hum… Ele está certo no que está fazendo”, quando claramente NÃO ESTÁ! Mas, em tempos de pessoas que não sabem interpretar textos simples, tudo pode ser usado como desculpa, se é que vocês me entendem.

Algo ainda a se mencionar é a utilização da dança de Arthur Fleck como sendo a sua “saída do casulo”. O personagem, outrora retraído e de ombros arqueados, assume postura altiva e cheia de si sempre que seu lado psicopata aflora e ele dança, quase que ritualisticamente, colocando pra fora toda a sua dor e angústia como “sua arte reprimida”.

Todd Phillips nos presenteia com um dos melhores filmes de um personagem baseado em quadrinhos, com uma atuação de total entrega de Joaquin Phoenix mas que, infelizmente, encontra uma sociedade doente, assim como a de Gotham, que tende a não saber olhar para si como quem realmente são: os criadores do mal, não sua cria.


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